Exercícios de Tragosophia em tempos de Pandemia: o bode, a ovelha e o lugar da inventividade na prática do filósofo

Alexandre H. Reis

Resumo


O presente ensaio desenvolve seu itinerário em torno de algumas ideias fundamentais da filosofia entendida como exercício de vida, partindo de um resgate da ideia de encontro própria da prática do symposium dos antigos gregos e propondo determinadas rupturas. A partir deste resgate, o escrito se desenvolve no sentido de mostrar as cisões próprias do mundo contemporâneo, a partir de noções filosóficas que elucidam a cisão entre a atividade intelectual e acadêmica dos filósofos e a sua orientação cotidiana. Esta cisão é compreendida a partir do confronto entre a concepção de filosofia estoica, própria do período do helenismo e da república romana e as concepções modernas, que ainda permanecem atreladas à escolástica. Para isso, é retomada a ideia hegeliana de necessidade da filosofia, segunda a qual a razão procura juntar o que é separado pelo entendimento. No início de nossa modernidade, Hegel aponta, portanto, para a perda da ideia de conciliação no mundo ético. Este retorno a Hegel, absolutamente breve, não tem outra função senão o de mostrar a necessidade de ultrapassar a tradição, aprendendo com ela o exercício da crítica. Ao desenvolver um exame da filosofia como atividade acadêmica, Os Exercícios de Tragosofia criam metáforas explicativas que remetem às diferenças entre o bode e a ovelha, para fazer nascer provocações que exigem de nosso tempo renascimentos possíveis. É exatamente esta cisão do mundo ético que procuramos mostrar e apontar para a necessidade de ultrapassá-la. A expressão tragosofia é tomada da obra póetica de Luiz Cláudio da Cruz (Marimagístico. Belo Horizonte: Literato, 2017) e desenvolvida no sentido de eleger alguns princípios fundamentais da prática filosófica pensada a partir da inventividade como princípio fundamental para a ativar a imaginação filosófica. Portanto, o ensaio examina algumas concepções de filosofia, a exemplo do estoicismo e da escolástica, e retoma algumas ideias fundamentais da tradição ocidental, como encontro, cisão do mundo ético, o eu e o outro, e desenvolve os princípios de inventividade e desobediência como fundamentos de uma tragosofia, isto é, de uma sabedoria prática que fundamente na vida do filósofo uma autenticidade que supere as cisões entre vida cotidiana e vida intelectual, entre o exercício exegético da leitura do texto filosófico e a imaginação filosófica.

Palavras-chave


tragosofia, mundo ético, cisão, filosofia contemporânea

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